segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Confraria e a Liberdade


                                                                               





                No último encontro da Confraria tivemos a oportunidade de refletir e discutir acerca de um tema bastante controverso: Liberdade.  Iniciou-se com a definição extraída do dicionário: Direito de expressar e agir como quiser; independência.
              A partir daí, várias questões e autores foram citados. A Liberdade apontada por Fernando Pessoa, quando esse destaca que se é impossível viver só, nascemos escravos. Passando por Machado de Assis, Paul Valéry, Che Guevara e tantos outros que dentro das suas concepções abordam a Liberdade.
               Foram  destacados vários paradigmas evidenciando que na realidade, levando em conta o significado literal do tema em questão, não somos livres. Por alguns momentos no nosso cotidiano temos a sensação de liberdade. Isso pode acontecer no contato com a natureza, fazendo algo prazeroso, meditando...
           A educação que recebemos, nossas ligações genéticas, a mídia, o sistema em que vivemos cria amarras, não possibilitando a liberdade. Historicamente o ser humano nunca foi liberto.
          Massimo Botempell cita que a verdadeira liberdade é um ato puramente interior, como a verdadeira solidão... Nesse viés, devemos aprender a sentir-nos livres.
         Goethe por sua vez, enfatiza que devemos procurar a liberdade nos sentimentos.
        Sentimentos, emoções. O ser humano tem necessidade de conceitos. Somos frutos de uma história, de um mundo que para muitos, mesmo com os avanços tecnológicos continua a multiplicar situações semelhantes à de  centenas de anos atrás.  Afinal, somos livres? Usar uma velha calça  velha desbotada é sinônimo de liberdade?
          Definições a parte, somos o que somos.  Na busca de certezas, no abismo que nos separa do ideal de cada um, no sorriso maroto de quem espia o/ a vizinho(a) nu (a) pela janela, no assalto noturno à geladeira, no troco que não é entregue, no suborno, do tirar vantagens e toda sorte de “pecadinhos” que são vividos por todos. Liberdade ´não existe na mentira, no vicio, no esconderijo das almas, que temem em arder um dia no fogo...
         Liberdade existe afinal? Talvez por alguns instantes. Talvez o suficiente para retomar a jornada. Talvez insuficiente para viver mais plenamente. Talvez impossível na sua plenitude. A liberdade termina quando....

Clara Angela Mussoi

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Em novembro tivemos o 5.º Encontro da Confraria Entrelinhas


















O 5º encontro da Confraria Entrelinhas ocorreu em meio a 57ª Feira do Livro. Enquanto muitas pessoas percorriam as bancas em busca de títulos e autores, os confrades da Entrelinhas, também cercados de clássicos, discorriam acerca de um tema que merece um olhar atencioso, o  Romantismo. Enquanto escola literária do século XIX, designa uma tendência geral da vida e da arte; portanto, nomeia um sistema, um estilo delimitado no tempo. Todavia, a palavra Romantismo designa uma maneira de se comportar, de agir, de interpretar a realidade; é uma atitude espiritual que sempre existiu. O comportamento romântico caracteriza-se pelo sonho, pelo devaneio, por uma atitude emotiva diante das coisas, atitude responsável, por um lado, pela mais extrema rebeldia, e por profunda melancolia, por outro. Nesse ínterim estiveram conosco Shakespeare e  Machado de Assis entre outros.

Claudia Carvalho

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Nosso quarto encontro foi acolhedor e aconchegante. Como um filhote que se aninha ansioso até encontrar uma posição confortável para descansar, aos poucos estamos encontrando nosso ritmo, nosso jeito de fazer as coisas. Vamos ficando um pouco mais confortáveis...

O tema escolhido para este encontro foi “A Literatura de Língua Portuguesa pelo Mundo”.
Nos deliciamos com os clássicos decassílabos de Camões, sofremos pelas paixões e desesperos de Florbela Espanca, filosofamos com o moçambicano Mia Couto. Foram quase três horas de puro prazer junto à “Última Flor do Lácio”.

A coordenação foi de Marcelo Silva Dysiuta.

Mas a Confraria da Entrelinhas é um espaço livre, e é assim que procuraremos estabelecer um diálogo verdadeiro com o mundo e suas coisas de mundo. Portanto, sair da zona de conforto faz parte desse processo de amadurecimento.

Vamos desarrumar a cama para o próximo encontro, que terá como tema “O Amor Romântico”.

Venha Compartilhar Leituras!

(Anne Lee Poeta)

Ser Poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

(Florbela Espanca)

A infinita fiadeira - Mia Couto

(A aranha ateia
diz ao aranho na teia:

o nosso amor
está por um fio!)

A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs. E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem fim nem finalidade. Todo o bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatais funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções. Para a mãe-aranha aquilo não passava de mau senso. Para quê tanto labor se depois não se dava a indevida aplicação? Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós. Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia. Sem nunca fazer morada em nenhuma. Recusava a utilitária vocação da sua espécie. - Não faço teias por instinto. - Então, faz porquê? - Faço por arte. Benzia-se a mãe, rezava o pai. Mas nem com preces. A filha saiu pelo mundo em ofício de infinita teceloa. E em cantos e recantos deixava a sua marca, o engenho da sua seda. Os pais, após concertação, a mandaram chamar. A mãe: - Minha filha, quando é que assentas as patas na parede? E o pai: - Já eu me vejo em palpos de mim... Em choro múltiplo, a mãe limpou as lágrimas dos muitos olhos enquanto disse: - Estamos recebendo queixas do aranhal. - O que é que dizem, mãe? - Dizem que isso só pode ser doença apanhada de outras criaturas. Até que se decidiram: a jovem aranha tinha que ser reconduzida aos seus mandos genéticos. Aquele devaneio seria causado por falta de namorado. A moça seria até virgem, não tendo nunca digerido um machito. E organizaram um amoroso encontro. - Vai ver que custa menos que engolir mosca - disse a mãe. E aconteceu. Contudo, ao invés de devorar o singelo namorador, a aranha namorou e ficou enamorada. Os dois deram-se os apêndices e dançaram ao som de uma brisa que fazia vibrar a teia. Ou seria a teia que fabricava a brisa? A aranhiça levou o namorado a visitar a sua colecção de teias, ele que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor. A família desiludida consultou o Deus dos bichos, para reclamar da fabricação daquele espécime. Uma aranha assim, com mania de gente? Na sua alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. Pediram que ela transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. Quando ela, já transfigurada, se apresentou no mundo dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia? - Faço arte. - Arte? E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais-velho, se lembrou. Que houvera um tempo, em tempos de que já se perdera memória, em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos - chamados de obras de arte - tinham sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que bichos. Aranhas, ao que parece.

sábado, 3 de setembro de 2011

3.º Encontro da Confraria Entrelinhas 02 de Setembro de 2011



O terceiro encontro da Confraria Entrelinhas mostrou-se maduro na medida em que resgatava as abordagens anteriores, talvez pela abrangência do tema ou pela sintonia que começa a estabelecer-se entre os confrades. Com direito a café, vinho e caldo de aspargos com milho o encontro durou quase três horas, horas dedicadas a reflexões profundas que começaram com Freud, Nietzsche, Galeano e foram embaladas pela música de Gilberto Gil, sem esquecer do amigo Vinícius de Moraes que sempre acompanha a confrade que traz Poeta no nome. Embasado nos autores citados acima e em outros tantos, percorremos os caminhos virtuais buscando, em cada um deles, o  viés da ferramenta de trabalho que auxilia na divulgação de informações. É verdade que encontramos uma forte veia Narcisista que foi defendida por todos, ainda assim o encontro termina com a postagem das fotos no Facebook mostrando a satisfação dos confrades.
Claudia Carvalho - Coordenadora do 3.º Encontro

Pela Internet - Gilberto Gil


Criar meu web site 
Fazer minha home-page 
Com quantos gigabytes 
Se faz uma jangada 
Um barco que veleje 


Que veleje nesse infomar 
Que aproveite a vazante da infomaré 
Que leve um oriki do meu velho orixá 
Ao porto de um disquete de um micro em Taipé 


Um barco que veleje nesse infomar 
Que aproveite a vazante da infomaré 
Que leve meu e-mail até Calcutá 
Depois de um hot-link 
Num site de Helsinque 
Para abastecer 


Eu quero entrar na rede 
Promover um debate 
Juntar via Internet 
Um grupo de tietes de Connecticut 


De Connecticut acessar 
O chefe da milícia de Milão 
Um hacker mafioso acaba de soltar 
Um vírus pra atacar programas no Japão 


Eu quero entrar na rede pra contactar 
Os lares do Nepal, os bares do Gabão 
Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular 
Que lá na praça Onze tem um videopôquer para se jogar






Participantes desta edição:  
Marcelo Silva Dysiuta (Pela Internet / Gilberto Gil e Pessoas no Mundo Virtual / Paulo Póvoa); Jairo Bittencourt Hass; Hannah Rosa Beineke (Balde de Gelo); Claudia Carvalho ( Eu (não) quero ter um milhão de amigos); Maria da Graça Schneider; Liane Schneider Tonelotto ( Eu caí do Mundo / Galeano, Eduardo ); Clara Mussoi ( Amores via Internet / Martha Medeiros e Soy Loco / Renato Duarte); Renato Duarte; Guilherme Schneider; Tatiana Ferraz Menezes; Andréa Aquini de Oliveira; Darlan Miranda; Denise Beineke; Jessica Castency de Moura e Guima Beineke.








Eu (não) quero ter um milhão de amigos - Claudia Tajes – ZH 12/04/11

     Antes, a gente fazia amigos por simpatia, afinidade, admiração e, se nada disso importasse, pela e velha química. Quem não amou perdidamente alguns amigos que, na teoria, não tinham nada a ver, mas que eram as melhores e mais engraçadas companhias, ainda que para dias e eventos específicos?
     Daí o senhor Mark Zuckerberg inventou o Facebook (ou se apropriou da ideia, segundo a história), virou o biliardário mais jovem do planeta e transformou a amizade em commodity, este termo do economês que designa, inclusive na língua brasileira, produtos básicos e de consumo largo como o feijão, o café e o trigo. Depois do Facebook, a amizade virou ovo, milho, algodão. Perdeu completamente a marca. Basta clicar em “confirmar” e pronto, viramos amigos.
     Perco a conta dos pedidos de amizade que recebo a cada dia no Facebook. Apesar de não conhecer a imensa maioria dos meus candidatos, confirmo todos. Quem sou eu para recusar alguém que me queira como amiga? Ainda assim, sabendo das minhas manias, é bom que a internet nos separe. Certamente seremos grandes amigos, basta que a gente jamais se encontre.
     Hoje sou amiga de adeptos do sertanejo universitário e de adoradores da Madonna. Muitos me mandam convites para integrar as torcidas organizadas do Inter, mas esses, acho eu, só estão tirando sarro de mim. Um grupo sempre me chama para Bailes da Melhor Idade e uma facção sadomasoquista volta e meia me pede para escrever seu manifesto. Mas há outro lado. As gurias de uma confraria de leitura viraram boas companheiras e vários amigos virtuais passam adiante trabalhos e informações para seus contatos, o que gera uma divulgação e tanto.
     Enquanto isso, o mundo trata de reforçar as amizades de verdade, essas que se parecem com um presente ou uma recompensa. Depois de uma cirurgia, saí do hospital meio grogue, mas com todas as razões para preferir a vida real à rede social. Os médicos foram amigos, os amigos não saíram de perto, a família esteve junto, o namorado não arredou pé por um minuto.
     O Facebook é um sucesso, mas não tem jeito. Para curar de tudo, solidão, males do coração, sequelas de operação, bom mesmo é ter amigos do lado de cá do computador. 











segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Segundo encontro da Confraria Entrelinhas aconteceu dia 5 de agosto de 2011

Pareceu-me que o encontro de ontem foi ainda melhor que o primeiro, pois não senti, em momento algum, que o pessoal quisesse se despedir tão cedo, a "tristeza", apesar de ser negada por todos, é um tema que rende uma grande colcha de retalhos, na qual cada um de nós ia buscando, em seu interior, momentos tristes e tentando entendê-los melhor, encontrando justificativas externas para aceitá-los da melhor maneira possível.
A Confraria é um encontro com nós mesmos, no qual vamos reorganizando, da melhor maneira, os reveses da vida, se é que essa é a melhor palavra. Bem, acho que é isso, na verdade era para ser só um bom dia.
Segue, em anexo, a crônica lida por mim. Bom final de semana, boas leituras e é claro, boas vendas.
 Abs,
 Claudia Carvalho

Antes da dor

Fabrício Carpinejar


   Não vou telefonar, não vou mandar torpedo, apesar da vontade imensa de reatar. O orgulho assumiu meu quarto. Conversa com ele agora. Com essa governanta das minhas desvalias, do meu guarda-roupa e sapatos. Estou de castigo, protegido, ausente, impedido de responder por mim. Se fosse responder, avisaria que dependo de você, que a desejo de volta. Infelizmente sou capacho de minha angústia. Piso em minhas palavras para limpar os pés da chuva.
   O desamor é treino. Não existe desamor. Existe ensaio, simulação da indiferença, controle absurdo do cumprimento. Não que não sinta nada por você, sinto absolutamente tudo mais do que nunca e não consigo comunicar. Os cotovelos latejam, a cabeça boia, as pernas mergulham numa fraqueza de maratona.
   É esquisito ser seu ex. O corpo não aceita participar da greve de fome. No dia seguinte, sou seu ex-namorado. Acordei ex. Pronto. Na noite anterior, era o homem mais importante. Agora virei um estranho, um engano. É excessivamente cruel. Largar uma história em comum sem nenhuma desintoxicação, tratamento. Sem nenhuma antessala para chorar, berrar, espernear, expiar a febre. É muito mais grave do que um vício.
    Quando você ardia alguma angústia, dizia que logo passava.
    Não passará logo. Fingirei. Fingirei que me darei melhor sozinho. É uma estrondosa mentira que também acreditará porque não tem escolha. Sou uma mesa para dois, serei sempre uma mesa para dois. Levarei minhas malas para ocupar a cadeira ao lado. Enfrentarei o questionamento: “Onde você anda?”, nos lugares em que frequentávamos juntos. Explicarei que brigamos, escutarei dos amigos que é normal e que logo faremos as pazes, comentarei que é definitivo por educação e para não sofrer mais.
    O ex mente, integralmente mente, complicado porque você me ensinou a gostar da verdade. Não tivemos filhos, não tivemos uma casa para dividir a partilha, não tivemos um cachorro para se procurar novamente. Não projetamos pretextos para a reconciliação, como esquecemos disso? Nosso amor não tem endereço como um circo, montado e desmontado na estrada.
    Como dói o que não começou a doer. Não preciso de férias, preciso de outra vida.








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terça-feira, 5 de julho de 2011

A Moça Tecelã

(Marina Colasanti)



                                     Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear. Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.   Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre. Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. 


                                    A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira. — Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata. Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente. — Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer. E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar. Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade. Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida. Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta. Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer. Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila. 


                                 Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias. Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza. Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos  do algodão  mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.   — É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!   Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear. E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo. Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer. Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins.  Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela. A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta.  Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu. Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.   





Texto lido por: Anne Lee Poeta
1º Encontro da Confraria Entrelinhas
COMPARTILHANDO  LEITURAS

domingo, 3 de julho de 2011

Primeira Reunião da Confraria Entrelinhas

Compartilhando Leituras

Nesta sexta dia 1.º, a Confraria Entrelinhas promoveu o seu primeiro encontro. Estiverem presentes: Claudia Carvalho (O melhor dos 50, Lisian Rotta), Hannah Beineke ( Visão, Thomas Mann), Fabiane Gelinski (Ismália, Alphonsos de Guimarães),  Helena Barbosa (Orgulho e Renúncia, J. S. de Araújo Jorge), Liane Schneider Tonelotto (A moça Tecelã, Marina Colasanti), Marcelo Plocharski (Cartas, Kahlil Gibran),  José Edil Lima Alves (Como na Lenda, Colmar Duarte),  Andréia Aquini (Canção, Fernando Pessoa). Guima Beineke (O Cativo, Jorge Luis Borges); Ortêncio Vogado, Bruno de Azambuja Silveira, Denise Silveira, Guilherme Schneider, Patrick Braga e Romualdo Furtado.