sábado, 7 de abril de 2012

Nono Encontro da Confraria Entrelinhas



Nesta edição da Confraria Entrelinhas continuamos com o gênero miniconto. Participaram Adriane Lazarotti, Cármen Machado, Claudia Carvalho, Daniel Indalécio, Dóris Hupel, Enio Viana Filho e Guima Beineke. Depois de diversas leituras e de animada rodada de discussões, a confrade Dóris Hupel apresentou um miniconto de sua autoria e uma oportuna observação: - Muitos minicontos, micro/nano, às vezes não passam de nadacontos!

Cármen Machado trouxe estes de Edson Rossato:
1) Domingo: abraços, lágrimas e sorrisos! Título mundial conquistado! Segunda-feira: "Ô país de merda!"
2) CLASSIFICADO: "Troco marido inútil, machista, bruto e traidor por rádio-relógio. P.S.: Volto troco."
3) CLASSIFICADO: "Alugo crianças para serviços externos. Oito a doze anos. Especialidade em semáforos."

Três minicontos de Jorge Timossi Corbani. Nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1936. É, hoje, cidadão cubano.
A aranha
Ficou tão bonita minha teia que já não desejo que caia em sua fúlgida trama nenhuma outra vítima além de mim mesma.

Última função
A Morte estendeu sua longa mão, roçou com um dedinho a corda bamba, e o Equilibrista precipitou-se em seus braços, são e salvo, entre estremecidos aplausos, sucesso que talvez demonstre que o Artista deve descartar de seus atos toda rede de proteção, mesmo que seja, como neste caso, a última função de sua vida.

Parênteses
(Aquele escritor era tão respeitoso para com seus leitores que colocava tudo que escrevia entre parênteses para que eles pudessem escolher (livremente) entre lê-lo ou não, incorporar o texto completo ou tomá-lo como uma (simples) intercalação, ou ficar só com os parêntese que (como se sabe) às vezes são muito mais úteis na vida que na literatura).

Minicontos de confrades.
(Quem ainda não mandou o seu, por favor providencie para que possamos publicá-los)

Estações
Era outono. O farfalhar das folhas secas era um som presente durante o dia e a noite. As árvores agora exibiam seus galhos nus e já era possível sentir o rigor do inverno.  O outono a deprimia, passava horas calada, olhar fixo no vazio da vida.  Quando a chuva beijava a vidraça, Sofia chorava. Sentia-se amparada, quase acalentada pelos braços de uma amiga, quem sabe a morte.
Claudia Carvalho


Sombra
Caminhava passos alongados sobre o calçadão que parecia ondular junto com as águas do lagorio. Sentiu agradável vertigem ao ter seu rosto acariciado suavemente pelo calor do sol, que, ainda um pouco adormecido espreguiçava-se por entre as torres dos morros da margem oposta, e projetava sua sombra saltitante ao seu lado, a qual, ora subia num banco, ora numa pedra, encurtava ou espichava. Ele diminuiu o passo para observá-la melhor. Viu-a enroscar-se na sombra das pernas bonitas da caminhante por quem passava e teve a nítida impressão das duas envolverem-se numa fusão voluptuosa de braços, abraços, pernas e uma bunda meticulosamente malhada. Ele não notou que ela também reduzia seus passos, até que finalmente deu-se conta que estava parado. Seus olhos encontravam-se a dois palmos de alguém que lhe fitava sem expressão através das lentes escuras de um Ray-ban. Universo congelado. Têmporas incendiadas. Nem vento, nem pássaros, nem a água se movia. Se ao menos houvesse um botão de ejetar.
Guima Beineke

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Oitavo encontro da Confraria Entrelinhas










                     Neste encontro da Confraria Entrelinhas fizemos um passeio pelo mundo do conto. Lemos O encontro, de Leonardo Brasiliense,  Natal na barca, de Lygia Fagundes Telles, O primeiro beijo, de Clarice Lispector, A intrusa, de Jorge Luis Borges, A orelha de Van Gogh, de Moacyr Scliar e Casa tomada, de Júlio Cortázar. 
                                 As conversas, entre uma leitura e outra, e a troca de impressões sobre os textos lidos, já são características dos nossos encontros. De forma simples e descontraída, as conversas fluem soltas e quase perdemos a noção do tempo entre os cafés que tornam nossos encontros ainda mais agradáveis. A coordenação deste encontro foi de Guima Beineke e no próximo faremos uma incursão pelo mundo dos minicontos sob a coordenação de Dóris Hupel.

sábado, 14 de janeiro de 2012

7º Encontro da Confraria Entrelinhas




Nos encontros da Confraria Entrelinhas, o protocolo segue sempre as mesmas regras: esteja um calor de rachar ou frio de renguear cusco; seja o grupo pequeno ou grande, o clima e os participantes são sempre regidos pela voz que se esquiva por entre milhares de páginas. Na primeira sexta-feira deste quente janeiro, não foi diferente e, para o primeiro encontro de 2012, fomos amavelmente recebidos pelo Bruxo do Cosme Velho para um mergulho em seu universo através de alguns contos.
De saída, fez-nos um convite irrecusável: Suje-se gordo! Como resistir a tal apelo quando o objeto é a literatura? Deparamo-nos com a reflexão bíblica: “Não queirais julgar para que não sejais julgados" (Mateus, 7:1-2). Causa e efeito ou carma? Física ou Religião? Seja como for, o Lopes extrapolou os conceitos, a narrativa da conta de que o julgamento que recebeu não foi o mesmo que praticara. Hipocrisia, relatividade, condescendência, erros, enganos, omissões... Uma pequena amostra da variedade de astros que gravita o orbe machadiano. Nada diferente das relações ‘des’humanas que nos rodeiam diariamente.
A obsessão pelo ideal acompanha o homem e evolui com ele. Mesmo tendo excelência num dom, insatisfeitos e imperfeitos, estamos fadados a busca-lo a qualquer custo. Cantiga de esponsais e Um homem célebre mostraram-nos personagens cuja existência foi consagrada a cultivar a incompatibilidade entre seu ideal e sua realidade. Músicos hábeis, dedicados, solitários e descontentes com os rumos de sua produção musical, Mestre Romão e Pestana, buscam até o último suspiro compor clássicos, mas morrem - ironia das ironias -  “de bem com os homens e mal consigo mesmo” sem ter alcançado seus ideias.
Chegada então a vez de ler o amor nas páginas de Machado: juras, compromisso firmado, afastamento, e fidelidade rompida. Deolindo Venta-Grande, esperando por sua Noite de almirante descobre no retorno o quanto “la donna è mobile”.  Genoveva “muta d’accento e di pensiero” e diz, francamente - “Pode crer que pensei muito e muito em você.... chorei muito... Mas o coração mudou... Mudou..” Está montado o palco da tragédia: facada, sangue, esganadura, suicídio... Mas a “realidade” é que a vida é assim, e mesmo tendo pensado em matar, em suicídio, o marujo nada mais faz do que retornar à corveta decepcionado, triste, desiludido; mas calado, retraído. Quem sabe não desfazer a ilusão dos companheiros sobre sua “noite de almirante”, tenha significado para ele manter a ilusão do amor que perdeu? Assim somos nós aqui do lado de cá das páginas: desde que o mundo é mundo, protegemo-nos até de nós mesmos.
Deu-se, então por encerrada 7ª. Confraria Entrelinhas, contudo (felizmente) sem a ilusão de que tudo foi dito e esmiuçado sobre a escrita do Bruxo. Só assim, temos pretexto para novos encontros com a profunda análise psicológica do autor, que se debruça como ninguém sobre a alma humana de ontem e sempre, sem deixarmos de apreciar a prosa rica e bem construída, ressaltada de Um homem célebre:

“As estrelas pareciam-lhe outras tantas notas musicais fixadas no céu à espera de alguém que as fosse descolar; tempo viria em que o céu tinha de ficar vazio, mas então a terra seria uma constelação de partituras.”

            Cármen Machado.
Guaíba, 11 de janeiro de 2012.