sábado, 14 de janeiro de 2012

7º Encontro da Confraria Entrelinhas




Nos encontros da Confraria Entrelinhas, o protocolo segue sempre as mesmas regras: esteja um calor de rachar ou frio de renguear cusco; seja o grupo pequeno ou grande, o clima e os participantes são sempre regidos pela voz que se esquiva por entre milhares de páginas. Na primeira sexta-feira deste quente janeiro, não foi diferente e, para o primeiro encontro de 2012, fomos amavelmente recebidos pelo Bruxo do Cosme Velho para um mergulho em seu universo através de alguns contos.
De saída, fez-nos um convite irrecusável: Suje-se gordo! Como resistir a tal apelo quando o objeto é a literatura? Deparamo-nos com a reflexão bíblica: “Não queirais julgar para que não sejais julgados" (Mateus, 7:1-2). Causa e efeito ou carma? Física ou Religião? Seja como for, o Lopes extrapolou os conceitos, a narrativa da conta de que o julgamento que recebeu não foi o mesmo que praticara. Hipocrisia, relatividade, condescendência, erros, enganos, omissões... Uma pequena amostra da variedade de astros que gravita o orbe machadiano. Nada diferente das relações ‘des’humanas que nos rodeiam diariamente.
A obsessão pelo ideal acompanha o homem e evolui com ele. Mesmo tendo excelência num dom, insatisfeitos e imperfeitos, estamos fadados a busca-lo a qualquer custo. Cantiga de esponsais e Um homem célebre mostraram-nos personagens cuja existência foi consagrada a cultivar a incompatibilidade entre seu ideal e sua realidade. Músicos hábeis, dedicados, solitários e descontentes com os rumos de sua produção musical, Mestre Romão e Pestana, buscam até o último suspiro compor clássicos, mas morrem - ironia das ironias -  “de bem com os homens e mal consigo mesmo” sem ter alcançado seus ideias.
Chegada então a vez de ler o amor nas páginas de Machado: juras, compromisso firmado, afastamento, e fidelidade rompida. Deolindo Venta-Grande, esperando por sua Noite de almirante descobre no retorno o quanto “la donna è mobile”.  Genoveva “muta d’accento e di pensiero” e diz, francamente - “Pode crer que pensei muito e muito em você.... chorei muito... Mas o coração mudou... Mudou..” Está montado o palco da tragédia: facada, sangue, esganadura, suicídio... Mas a “realidade” é que a vida é assim, e mesmo tendo pensado em matar, em suicídio, o marujo nada mais faz do que retornar à corveta decepcionado, triste, desiludido; mas calado, retraído. Quem sabe não desfazer a ilusão dos companheiros sobre sua “noite de almirante”, tenha significado para ele manter a ilusão do amor que perdeu? Assim somos nós aqui do lado de cá das páginas: desde que o mundo é mundo, protegemo-nos até de nós mesmos.
Deu-se, então por encerrada 7ª. Confraria Entrelinhas, contudo (felizmente) sem a ilusão de que tudo foi dito e esmiuçado sobre a escrita do Bruxo. Só assim, temos pretexto para novos encontros com a profunda análise psicológica do autor, que se debruça como ninguém sobre a alma humana de ontem e sempre, sem deixarmos de apreciar a prosa rica e bem construída, ressaltada de Um homem célebre:

“As estrelas pareciam-lhe outras tantas notas musicais fixadas no céu à espera de alguém que as fosse descolar; tempo viria em que o céu tinha de ficar vazio, mas então a terra seria uma constelação de partituras.”

            Cármen Machado.
Guaíba, 11 de janeiro de 2012.